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Arquivos da categoria: Destaques

Descrição de imagem: Foto de um auditório com dezenas de crianças sentadas na plateia. À direita da foto, em primeiro plano, está uma menina em pé em frente a uma mesa. Ela lê uma folha em Braille e uma professora está ao seu lado segurando um microfone.

A VIDA IMITA A LEITURA: CONHEÇA HISTÓRIAS PARA TODOS E SOBRE TODOS

Que jeito melhor de falar sobre leitura acessível do que com histórias de inclusão? Foi o que se leu e se ouviu na 3ª edição das Olimpíadas de Leitura Inclusiva, uma iniciativa do Colégio Vicentino Padre Chico, referência em educação inclusiva de pessoas videntes e com deficiência visual na capital paulista.

O Colégio Vicentino Padre Chico sempre se preocupou em incentivar a leitura entre seus alunos através de campeonatos de leitura. Ana Maria Rosalini, coordenadora pedagógica do colégio há quatro anos, inspirada nas Paraolimpíadas de 2016, sugeriu que fossem realizadas Olimpíadas de Leitura. “Todos me chamam de Rosalini, porque o nome da diretora também é Ana Maria.”, conta ela, risonha. A competição acontece anualmente desde 2016 e envolve todo o colégio, do infantil ao Ensino Fundamental.

“Todos participam como conseguem, lendo em tinta ou em Braille, recitando parlendas ou poesias.”, explica Rosalini. A olimpíada é dividida em três etapas. Primeiro, Rosalini e a diretora Ana Maria visitam as turmas e pedem que os alunos apresentem algum livro que estejam lendo. As duas desempenham o papel de jures e escolhem três alunos de cada turma para a semifinal, realizada no auditório do colégio, etapa em que os finalistas se apresentam para o resto da escola. O mesmo acontece na grande decisão, na qual os Ensinos Fundamentais I e II recebem cada qual três vencedores: um vidente, um com baixa visão e um cego – não existe 1º, 2º e 3º lugar.

Nas duas etapas finais da 3ª edição, ocorridas nos dias 11 e 14 de setembro de 2018, foi proposto que os alunos que já sabiam escrever lessem histórias de sua própria autoria. Na semifinal, o texto devia falar sobre o primeiro dia da criança no colégio, e na última etapa coube a cada aluno apresentar uma breve biografia de si mesmo.

Para Luciana, que leciona há 15 anos no colégio mantido pelo Instituto de Cegos Padre Chico (este completou 90 anos de existência em 2018), as Olimpíadas representam não apenas mais um estímulo à leitura (todos os dias, os estudantes leem por 15 minutos um título escolhido por eles na biblioteca), como também um registro da inclusão na prática.

“Quando cheguei ao colégio, ainda só tínhamos alunos com deficiência visual. Em 2010 foi que começamos a receber estudantes videntes e, além da alegria de acompanhar essa transição, os relatos lidos por eles são de crianças que realmente gostam da escola na qual estudam.”, diz Luciana.

Descrição de imagem: Foto de um auditório. À esquerda, estão cerca de dez crianças sentadas na plateia, de costas para a foto. À frente delas, há uma mesa com cinco professoras sentadas. Elas seguram canetas e papéis. Uma delas está lendo uma folha em Braille. À direita da imagem, está uma menina em pé em frente a uma mesa. Ela lê uma folha de papel e uma professora está ao lado dela segurando um microfone.

Gotas de alegria

As Olimpíadas de Leitura contam com o apoio da Rede Nacional de Leitura Inclusiva da Fundação Dorina. O Grupo divulga a iniciativa entre seus parceiros e realiza a doação de materiais que podem se tornar prêmios para os vencedores – como livros em formato acessível. Além disso, membros da Rede sempre são convidados a assistir à competição ou a atuar junto à comissão julgadora.

Foi o caso de Adriana Rafael, bibliotecária e integrante do Comitê de Inclusão do Senac Tiradentes. Ela passou a fazer parte da Rede após uma visita à Fundação Dorina, em 2015. “Queríamos incorporar a acessibilidade de forma mais efetiva no atendimento ao público com deficiência do Senac Tiradentes e o apoio da Rede de Leitura fez toda a diferença nesse processo.”, afirma Adriana. Segundo a bibliotecária, o contato com o Instituto de Cegos Padre Chico já vinha ocorrendo em outras ações da Rede e o convite para que ela integrasse a comissão julgadora das Olimpíadas lhe deu a chance de perceber o mundo com uma nova ótica. “Foi transformador presenciar a inclusão como algo natural do próprio ambiente e pensar no que podemos construir para o futuro se trabalharmos juntos.”, declara.

Já Sandra Pereira, que trabalha na gestão de projetos da Fundação Dorina, foi convidada a assistir às Olimpíadas como espectadora. Ela relata a satisfação de presenciar na prática o fruto dessa parceria. “Fiquei surpresa, porque não sabia que a escola tinha alunos videntes. Na educação física, eles correm junto com as crianças cegas.”, observa. A história de uma aluna vidente, que esteve entre os vencedores, chamou particularmente a atenção de Sandra.

“Ela disse que ficou tão feliz porque iria estudar com crianças cegas que, no primeiro dia, não queria falar com ninguém, de tanta empolgação. A certa altura, ela foi pegar água fora da sala e, com o nervosismo, derramou algumas gotas. Tinham alguns trabalhadores por ali fazendo uma obra e ela fingiu que era cega.”, lembra a gestora.

Descrição da imagem: Foto de pessoas sentadas em roda. Na imagem aparece parte da roda com cerca de 10 pessoas no enquadramento. À esquerda da foto, sentados em um sofá, está Nataly Loyola, Ju Loyola e Lucas Borba. Ele segura o microfone. À direita da imagem, atrás da roda, está uma intérprete de libras. Ela tem cabelos curtos pretos e usa camisa azul com o texto em branco "São Paulo Acessível" e os ícones da deficiência física, intelectual e auditiva nas costas.

EDUCAÇÃO E CULTURA POP: COMO SURGE O DESAFIO DA INCLUSÃO NA PRÁTICA

Quando eu, Lucas Borba, fui convidado a participar de uma mesa da 4ª Festa Literária de Cidade Tiradentes (FLICT), na capital paulista, realizada em 28 de outubro, fiquei honrado. Afinal, além do reconhecimento implícito no convite, falar um pouco do meu trabalho como youtuber no canal Câmera Cega, voltado ao cinema e à cultura pop sob a perspectiva de um jornalista com deficiência visual, foi uma grande oportunidade não apenas de acompanhar pessoalmente uma ação articulada em parceria com a Rede de Leitura – tanto como correspondente da Fundação Dorina quanto como produtor independente de conteúdo -, mas também de compartilhar ideias e experiências com o público e com meus colegas de mesa.

Mais do que isso, porém, ao final do encontro senti-me desafiado a ir ainda além. Sim, porque é fascinante como as palavras “acessibilidade” e “inclusão” trazem na prática um novo desafio quando menos se espera, inclusive expondo que o sujeito a ser incluído também deve saber incluir – ou, pelo menos, buscar como fazê-lo. Desafio que ressurgiu a mim personificado em uma de minhas colegas de mesa, a quadrinista com deficiência auditiva Juliana Loyola, mais conhecida como Ju Loyola. Ela trabalha com o que chama de “narrativas silenciosas”, já que não possuem uma única palavra. As histórias são contadas única e exclusivamente com o poder das imagens, das expressões faciais e gestos dos personagens. Nem sempre foi assim, no entanto.

Juliana nasceu com deficiência auditiva devido à rubéola da mãe na gravidez. A limitação auditiva, entretanto, só foi descoberta quando ela tinha três anos de idade. A paixão por quadrinhos e mangás surgiu ainda na infância, com clássicos que iam de Turma da Mônica a Mandrake e Fantasma. Quando a busca profissional bateu à porta, tentou direcionar seu talento com os traços para o desenho de próteses dentárias, mas ao interagir com alguns quadrinistas teve certeza do que tinha nascido para fazer. Por ser o que se chama de “surda oralizada”, que aprendeu a se comunicar por leitura labial – embora também o faça na Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) -, Juliana começou esboçando quadrinhos com balões de diálogo, mas se deparou com o complexo universo de conjugações verbais da língua portuguesa, bem diferente da estrutura mais simples de frases em LIBRAS. Foi então que ocorreu à autora não apenas trabalhar com seu mundo silencioso, mas ampliar ainda mais o público que poderia ler suas obras, com uma forma de expressão que perpassa idiomas e culturas. O trabalho de Juliana já acumula prêmios importantes a nível internacional e sua meta é ser publicada em uma editora japonesa.

O desafio ao qual me referi no começo deste artigo surgiu de repente, enquanto minha colega e eu falávamos de nossos trabalhos e respondíamos às eventuais perguntas do público – ela apoiada por Nathali, sua irmã e intérprete. Ocorreu-me que, embora nós dois presidíssemos a uma mesa acerca da produção cultural e artística por pessoas que buscam a inclusão cotidianamente, nem o trabalho dela era acessível a mim, nem o meu a ela, já que o canal faz uso de podcasts – ou seja, não há imagem, apenas áudio.

Ser incluído e saber incluir. Foi quando desafiei a mim próprio diante de Juliana e do público, prometendo que, assim que possível, encontraria um jeito de manter a proposta do canal, porém de modo a contemplar também o público com deficiência auditiva. Da mesma forma, Juliana afirmou que está estudando como viabilizar versões acessíveis do seu trabalho a pessoas cegas e com baixa visão.

Descrição da imagem: Foto da metade de uma roda com 8 pessoas sentadas. Ao centro, está estendido no chão um pano preto com dezenas de livros em tinta braille dispostos. Perla está agachada e pega um livro que está no tapete.

Educar para incluir

Enquanto a mesa “A pessoa com deficiência e o universo dos quadrinhos” compôs a programação matutina da FLICT, à tarde aconteceu a oficina “Leitura inclusiva”, promovida pela Rede de Leitura em parceria com a Biblioteca Temática em Direitos Humanos Maria Firmina dos Reis, que sediou todo o evento em Cidade Tiradentes. A oficina foi aberta a educadores, bibliotecários, mediadores de leitura e à comunidade em geral.

Inicialmente, houve uma sensibilização que propôs a interação do público com materiais ligados à leitura acessível e à autonomia da pessoa com deficiência visual, como um audiolivro ou um assinador – régua vazada que auxilia a assinatura da pessoa cega entre duas bases de apoio. O público vidente era convidado a vendar os olhos antes de interagir com esses materiais por meio do tato ou da audição. Posteriormente, teve início um debate sobre a promoção da leitura inclusiva em diferentes espaços.

Vania Ferreira atua na biblioteca Maria Firmina dos Reis desde a sua inauguração em 2013 e esteve presente à oficina. Sua paixão por educar vem da infância. “Eu sempre queria brincar de escolinha e ser a professora.”, lembra ela. Ao concluir o Ensino Médio, iniciou um curso técnico voltado para a educação no ambiente hospitalar, mas acabou se encontrando no meio cultural durante a graduação pela União das Instituições Educacionais de São Paulo (UNIESP). Em 2013, Vania iniciava um estágio na biblioteca e, em 2015, mesmo ano em que o espaço foi reinaugurado, assumia como pedagoga.

Para a educadora, a experiência da oficina dialoga plenamente com o prazer de seu atual posto. “Quando se fala em educar, as pessoas logo pensam no ambiente escolar. Claro que uma escola não existe sem educação, mas o aprendizado se aplica aos mais diversos espaços e contextos e essa oficina é a prova disso.”, afirma Vania.

Descrição de imagem: Foto de cinco palestrantes em cima de um palco, quatro mulheres e um homem. Uma delas está de pé com o microfone na mão e olha para os demais. Ao fundo há uma parede de vidro que mostra parte da cidade. A frente do palco há uma mesa com um banner em fundo branco pendurado com o texto em preto e roxo "Aqui tem Agosto das Letras 2018 - Festival de Leitura da Paraíba".

ENCONTRO EM PARAÍBA: CONHEÇA HISTÓRIAS DE PROTAGONISMO PELA INCLUSÃO

“Temos que mostrar as nossas capacidades.”, diz o paraibano Robson Silva acerca do universo da pessoa com deficiência e, mais especificamente, da deficiência visual. Não por acaso, já que nasceu com retinose pigmentar e, aos quinze anos, perdeu completamente a visão.

A retinose hereditária também afetou seus três irmãos. Natural da cidade interiorana de Bananeiras, o quarteto encontrou dificuldades na escola. “Eu sabia responder às questões, mas assinalava no lugar errado e o professor não entendia”, lembra Silva. O problema persistiu até os anos 2000, quando ele completou quinze anos. “Fiquei totalmente cego e acompanhava as aulas só de ouvido, enquanto respondia às questões oralmente. Era horrível, mas daí viram que eu sabia as respostas e finalmente comecei a avançar nos estudos.”, relata.

O atraso fez com que, em 2008, o rapaz decidisse migrar sozinho para João Pessoa. Lá, além de ser instruído no sistema de leitura e escrita Braille, no uso da bengala e no universo da informática por meio do Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha (ICEPAC), completou o Ensino Médio, prestou vestibular e graduou-se em direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Hoje, Silva é Secretário Geral e membro da Diretoria Jurídica da Associação Paraibana de Cegos (APACE). Ele é casado e, nas horas vagas, pratica goalball, uma modalidade esportiva específica para pessoas com deficiência visual.

Integrante do Grupo de Trabalho (GT) do seu Estado pela Rede Nacional de Leitura Inclusiva, Silva foi um dos ministrantes do 3º Seminário de Acessibilidade da Paraíba, realizado na capital em 31 de agosto, no Espaço Cultural José Lins do Rego, e que contou com a presença de estudantes de áreas distintas, professores, bibliotecários, do Promotor do Ministério Público Estadual da Paraíba e da Promotoria do Cidadão. Leitor voraz, o Secretário conta que estuda o Braille até hoje. “Para um jovem ou adulto que perde a visão, é mais difícil aprender a leitura tátil do que para uma criança com deficiência visual, mas me dediquei muito e, com o apoio de um grande amigo que também é cego, consegui dominar o código.”, explica.

Silva ainda destaca o papel da era digital para a leitura acessível e a importância de eventos como o Seminário. “O Braille é indispensável para a alfabetização de crianças com deficiência visual, mas a leitura digital amplia e facilita o acesso à essa forma única de informação e cultura. E é incrível participar de um evento como esse, com pessoas que tanto lutam pela causa.”, afirma.

No dia anterior ao Seminário, ocorreu também o evento Acessibilidade na Praça, graças ao intenso trabalho conjunto de mobilização dos parceiros locais da Rede. A iniciativa ocorreu na Praça da Paz, que é a mais movimentada de João Pessoa, e teve como objetivo trazer à tona, de um jeito divertido – mas, ainda assim, provocativo -, a questão da falta de acessibilidade que geralmente há nesses locais à pessoa com deficiência visual, por ser um espaço aberto normalmente sem piso tátil ou outras referências.

O evento chamou a atenção da população local e contou com a presença do consagrado poeta repentista Oliveira de Panela, que improvisou versos acerca dos temas inclusão e acessibilidade.

Descrição de imagem: Foto de sete palestrantes em cima de um palco, cinco mulheres e dois homens, e parte da plateia. Ao fundo há uma parede de vidro que mostra parte da cidade.

Viagem para todos

Há quem viaje nas páginas de um livro, mas também há quem busque uma experiência acessível para além do poder das letras. Foi pensando nos dois públicos que o Grupo de Cultura e Estudos em Turismo (GCET) da UFPB publicou o livro Turismo e Hotelaria no Contexto da Acessibilidade, disponível gratuitamente em formato digital.

Tendo a professora e coordenadora do GCET, Adriana Brambilla, como uma das organizadoras, o trabalho reúne textos de diversos pesquisadores do país acerca do tema. Alertada sobre o Seminário de Acessibilidade por uma das integrantes do grupo acadêmico, que possui deficiência visual, Adriana também compareceu ao evento com seus alunos. Segundo ela, desde que o grupo entrou em atividade em 2014, uma das linhas de pesquisa vem sendo a acessibilidade.

“Eventos como esse são imperdíveis para o grupo, porque ouvimos relatos reais de pessoas que vivem na prática a falta de acessibilidade nos diferentes segmentos, inclusive no turismo, e é expondo essa realidade que buscamos fazer a diferença.”, declara.

Diversidade e inclusão: Descubra a importância da atitude no acesso à leitura

Quando falamos em acessibilidade, podemos dividi-la em algumas categorias, tais como: Acessibilidade Arquitetônica, Comunicacional, Atitudinal, entre outras. Esta última, porém, é a base para as demais, já que a atitude deve nortear ações de inclusão em todos os segmentos, inclusive no acesso à leitura.

E foi a atitude que levou a pedagoga Juliana Gaudêncio a se especializar na educação de pessoas com necessidades específicas. Desde 2015, ela trabalha como analista no Setor de Educação Inclusiva do SENAC, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Este ano, assumiu a coordenação da área. “A inclusão deve ir além do cumprimento de legislações. Temos de abranger um universo onde cada um seja envolvido no respeito à diversidade, porque diversos somos todos nós.”, afirma a pedagoga.

Foi com esse ideal em vista que Juliana mediou a realização de uma oficina promovida pela Rede de Leitura da Fundação Dorina Nowill para Cegos em uma das unidades do SENAC na capital mineira, em 12 de julho. Com o objetivo de promover um diálogo sobre leitura inclusiva, o encontro contou com mais de 30 participantes e incluiu bibliotecários, professores e colaboradores de outras unidades da instituição.

“Temos muitos alunos com deficiência visual. O trabalho em rede que foi apresentado nos fez perceber o quanto estas parcerias são benéficas para o acesso à leitura nos diferentes espaços e, consequentemente, para a educação.”, relata Juliana.

Inclusão na prática

O trabalho em rede ao qual Juliana se refere acontece a partir de grupos parceiros em diferentes Estados do país. Essa dinâmica já é bem conhecida de uma das pessoas presentes na oficina: a Assistente Social Alice Meireles, parceira da Rede desde 2015.

Há 11 anos, ela integra a equipe da Associação de Cegos Luiz Braille de Belo Horizonte, anexa ao Lar das Moças Cegas. Alice também é amiga de surdos e a instituição aonde ela trabalha atende pessoas cegas e com baixa visão que podem ter outras deficiências (intelectual, física, etc.).

Por isso, a Assistente Social percebe na prática o quanto a sociedade ainda deve evoluir ao pensar em acessibilidade. Segundo ela, a leitura digital é um grande avanço, já que muitos cegos não leem Braille, mas ela acredita que ainda temos um longo caminho pela frente.

“Quando falamos em leitura, temos de pensar no público surdo, que tem dificuldade com o português, em autistas e em outros casos, que exigem formas alternativas de comunicação. Sem falar em um calçamento ou acesso adequado para todos que desejam ir a uma biblioteca.”, diz Alice.

Descrição de imagem: Foto de um auditório. Perla, representante da Rede de Leitura, está em pé, à esquerda de uma mesa comprida, com uma toalha branca, e fala ao microfone. Em cima da mesa, há duas corujas de pelúcia cinzentas e dois bois, um preto e um branco. À frente da mesa, há um arranjo floral. No fundo do palco, há a projeção do logo da Rede de Leitura Inclusiva e, abaixo, em letras pretas: “Rede Nacional de Leitura Inclusiva”.

MEMBROS DA REDE NACIONAL DE LEITURA INCLUSIVA SE ENCONTRAM NA NONA EDIÇÃO DO SENABRAILLE

Qual o papel do bibliotecário na sociedade? Essa é a pergunta que impulsiona a atuação de Adriana Ferrari, presidente da Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários (FEBAB), inclusive no ativismo pelo acesso à leitura. A mesma pergunta que a inspirou, por exemplo, a idealizar e coordenar o projeto da Biblioteca de São Paulo, que abre em finais de semana e feriados.

“Quando falamos na leitura para todos, além de um acervo gratuito e em formatos acessíveis temos de pensar nas condições de deslocamento do público até esse material.”, diz a bibliotecária. Foi com naturalidade, portanto, que Adriana esteve à frente da nona edição do Seminário Nacional de Bibliotecas Braille (SENABRAILLE), promovido pela FEBAB nos dias 12 e 13 de julho, em Florianópolis, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Iniciado em 1995, o SENABRAILLE busca a troca de experiências e a apresentação de projetos de bibliotecários e educadores, com ênfase no atendimento a pessoas com deficiência visual. Segundo Adriana, o evento conseguiu ser mais abrangente do que em edições anteriores. “Em termos de conteúdo, o encontro correspondeu às expectativas, com apresentações e discussões inspiradoras e sobre deficiências distintas, além da visual.”, afirma a bibliotecária.

Uma das apresentações do seminário foi de uma das representantes da Rede Nacional de Leitura Inclusiva da Fundação Dorina Nowill para Cegos, que falou das ações realizadas em parceria com os Grupos de Trabalho (GT’s) de diferentes regiões do país. Representantes dos GT’s também marcaram presença e confraternizaram em um espaço paralelo ao evento. “A reunião dos GT’s permitiu não apenas um primeiro contato presencial entre os integrantes, mas, também, que eles compartilhassem as realidades vivenciadas por cada um em seus espaços de atuação.”, explica Perla Assunção, que apresentou a Rede de Leitura durante o SENABRAILLE.

Descrição de imagem: Cerca de dez pessoas estão de pé, em roda em um parque. Elas sorriem e conversam.

Um desses integrantes é o pedagogo com deficiência visual José Carlos, o mais novo membro da Rede. Presidente do Conselho Escolar do Centro de Educação de Jovens e Adultos de Florianópolis e dono do primeiro cão guia do Estado de Santa Catarina, em 1997, Carlos sabe da importância do trabalho conjunto pela inclusão e pelo acesso à leitura.

“Fico honrado em integrar a Rede de Leitura. Acredito que uma causa como a nossa precisa dessa articulação a nível nacional, mas que, ao mesmo tempo, fortalece cada membro em sua região.”, declara.

Descrição de imagem: Banner em fundo azul. À direita, em destaque, ilustração de um smile amarelo com óculos pretos e o logo Daisy. À esquerda, em letras brancas e amarelas, há o seguinte texto: “Oficina A leitura inclusiva e o livro digital acessível Daisy”.

A HISTÓRIA DE UMA JORNADA PELO ACESSO À LEITURA

Graças ao projeto Leitura Digital Acessível, realizado pelo Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Cultura e Fundação Dorina Nowill para Cegos, com patrocínio da White Martins e Fox Conn, a Rede Nacional de Leitura Inclusiva pôde escrever mais este importante capítulo na história da busca por um mundo cada vez mais inclusivo – o grande ideal de nossa presidente emérita e vitalícia, Dorina de Gouvêa Nowill.

Visando ampliar o acervo acessível de bibliotecas e escolas públicas do Estado de São Paulo, o projeto permitiu a produção e distribuição de mil kits com 12 obras – 3 títulos infantis, 3 infanto-juvenis, 3 Best-sellers e 3 histórias em quadrinhos – no formato Daisy, totalizando 12 mil livros. As obras nesse formato digital tornam possível o acesso da pessoa com deficiência visual – cega e com baixa visão – a materiais compostos não apenas por textos, mas, também, por imagens, gráficos, tabelas, já que permitem a inserção de recursos de apoio, como descrições de imagens e de arquivos de áudio, além de contar com opções de ampliação e contraste da letra.

E para que esse material seja devidamente apreciado por muitos leitores, representantes da Rede de Leitura realizaram oficinas gratuitas de capacitação em 10 cidades do Estado de São Paulo, destinadas, principalmente, a bibliotecários e educadores da rede pública, mas abertas a todos. Além de propor uma sensibilização sobre a importância do acesso à leitura e da inclusão social, as oficinas permitiram a interação dos participantes com o kit de livros acessíveis e com o programa de leitura digital desenvolvido pela Fundação Dorina para o formato Daisy, o DDReader, disponível para computadores e smartphones. A resposta do público ultrapassou as expectativas, já que alguns encontros também contaram com participantes de cidades próximas. Com isso, foram 35 municípios beneficiados.

Segundo Angelita Garcia, uma das representantes da Rede de Leitura, as oficinas demonstraram a importância da capacitação a profissionais realmente interessados na leitura acessível e na causa da inclusão. “Levando-se em conta, por exemplo, o número de pessoas com deficiência visual que não aprenderam o sistema de leitura e escrita Braille, um projeto como esse possibilita um acesso mais democrático aos livros e o público das oficinas ficou motivado a se apropriar do DDReader, tanto para uso próprio quanto para disseminar esse recurso em seus espaços de atuação”, afirma.

Para divulgar o projeto, as representantes da Rede de Leitura também visitaram quatro organizações que atendem pessoas com deficiência visual: o Lar das Moças Cegas, de Santos; o Instituto de Cegos, de Presidente Prudente; a Para-DV, de Araraquara; e a Fundação do Livro, em Ribeirão Preto. Essas interações geraram importantes desdobramentos para a Rede, como convites para integrar eventos e desenvolver novas ações em prol da leitura inclusiva. Podemos dizer, portanto, que esta jornada pelo acesso ao conhecimento foi um grande processo e, ao que tudo indica, foi só mais um capítulo de muitos que estão por vir.

Descrição de imagem: Foto de um grupo de sete pessoas na entrada da Fundação Dorina. Ao fundo, está um quadro de D.Dorina em preto e branco. À esquerda do quadro, está um homem de óculos escuros e com uma bengala verde, e uma mulher de roupas pretas. À direita do quadro, estão outras cinco mulheres. Todos sorriem.

Visita à Fundação Dorina

Um dos desdobramentos das oficinas foi uma visita realizada ao Centro de Memória da Fundação Dorina Nowill para Cegos a partir da oficina em Bragança Paulista. A visita foi uma iniciativa de uma das participantes do encontro, a militante pelos direitos da pessoa com deficiência visual Eliana Hashimoto, em parceria com a Fundação Dorina. Além da família, Eliana trouxe consigo integrantes do Movimento Bengala Verde e a pedagoga com deficiência auditiva parcial Alessandra da Costa, que integra o Conselho de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CONDEFI).

Para Eliana, ela própria uma pessoa com deficiência visual total, interagir com o registro histórico da Fundação Dorina foi uma experiência gratificante. “Tive contato com a Fundação há uns 15 anos e conheci Dorina Nowill pessoalmente. Por isso, relembrar o legado que ela deixou e presenciar a continuidade dele, inclusive no âmbito da leitura acessível, não tem preço”, afirma.

Já Alessandra enfatizou o significado que a visita teve para ela enquanto educadora. “A inclusão é um direito e, ao mesmo tempo, um dever de todos nós, e ao viajar pela história da Fundação, bem como da mulher que a idealizou, me senti ainda mais inspirada a compartilhar conhecimentos com quaisquer pessoas dispostas a crescer”, declara a pedagoga.

Descrição de imagem: Foto de uma mulher acessando a Dorinateca. Ela está de costas, tem cabelos grisalhos, usa camisa branca e fones de ouvido, e segura um tablet que mostra a página inicial da Dorinateca.

Portal Dorinateca

Se você é uma pessoa com deficiência visual, escola, biblioteca ou associação que busca a leitura acessível e o conhecimento que ela pode gerar, confira o portal de leitura da Fundação Dorina, o Dorinateca, que disponibiliza títulos para download gratuito nos formatos Daisy, audiolivro e para impressão em Braille. Se atende ao público do portal, basta criar sua conta e aproveitar a leitura!

Descrição de imagem: Na foto, 10 participantes do evento estão sentados em roda na Biblioteca Maria Firmina dos Reis. Uma delas fala ao microfone. A sala é espaçosa e cercada por janelas de vidro. Ao fundo, há uma grande árvore de madeira representando um Baobá, com almofadas coloridas em volta.

BIBLIOTECA MARIA FIRMINA DOS REIS INAUGURA ACERVO ACESSÍVEL

Casinhas acolchoadas e uma grande árvore baobá esculpida em madeira, típica do continente africano, embaixo da qual, tradicionalmente, os mestres griôs sentam para contar histórias. Estes elementos se destacam na ambientação da Biblioteca Maria Firmina dos Reis, que fica em Cidade Tiradentes, na capital paulista, uma região marcada pela luta histórica por habitação – abriga o maior complexo de conjuntos da América Latina, beirando a 40 mil unidades – e é composta por uma população predominantemente negra e nordestina.

Foi mantendo a decoração simbólica que, no dia 29 de junho, a biblioteca comemorou mais uma conquista para a comunidade, com a inauguração de um acervo acessível de livros em Braille e em fonte ampliada para pessoas com deficiência visual. O material foi doado pela Fundação Dorina Nowill para Cegos, que enviou uma representante da Rede de Leitura Inclusiva e um de seus comunicadores ao evento.

Parte do público beneficiado pelo acervo frequenta o Centro Especializado em Reabilitação (CER, II Guaianases) – que atende pessoas com deficiência visual e auditiva – e constituiu a maioria dos participantes da inauguração. Também foram eles os organizadores de um Sarau Acessível para a ocasião, que incluiu a leitura em Braille e a declamação de poemas, bem como apresentações de dança e música ao som da Escaleta de dona Iolanda, com modas típicas do folclore nordestino, como a clássica Asa Branca. Durante todo o espetáculo e mesmo no bate-papo que se seguiu, era palpável a alegria e o contentamento daquela gente com histórias tão adversas, de luta e superação.

Descrição de imagem: Um grupo de seis pessoas, dois homens e quatro mulheres, está em pé, em roda, e de mãos dadas. As mulheres usam saia azul em tecido brilhante, camisa preta e chapéus pequenos na cabeça. Os homens usam colete no mesmo tom de azul e calça preta. Eles seguram lenços nas cores azul e branco. Ao fundo, está uma grande árvore de madeira, representando um Baobá.

Histórias como a de José Nascimento, o Seu Zeca, que a todo instante vibrava e aplaudia os presentes com grande entusiasmo. Seu Zeca possui deficiência auditiva parcial e, no dia do evento, esqueceu de levar o aparelho auditivo, o que não o impediu de acompanhar as apresentações e falas dos outros convidados. Há 10 anos, ele migrou do nordeste para a capital paulista junto da irmã, que possui deficiência visual, em busca de melhores condições de vida. “A união faz a força!”, reafirmou durante sua fala no bate-papo, referindo-se à troca de conhecimentos entre os frequentadores do CER. “Quem sabe o Braille ajuda a ensinar quem ainda não sabe, e o mesmo vale para outras atividades, como o crochê e a música”, explica Seu Zeca.

Para a coordenadora da Biblioteca, Charlene Lemos, o evento representa um passo fundamental para um espaço público de acesso à informação e à cultura. “Nosso objetivo é atender a todos os públicos. Sabemos que ainda existem desafios pela frente, mas, com a inauguração desse acervo, começamos a suprir uma importante demanda local”. Charlene cresceu nas imediações do espaço e relembra que, em 2017, recebeu pela primeira vez uma visita dos alunos do CER. “Iniciamos um programa de cultura quinzenal com o grupo, mas não tínhamos livros com acessibilidade. Foi então que entrei em contato com a Fundação Dorina e expus a situação para a Rede de Leitura Inclusiva. É gratificante presenciar o resultado dessa parceria!”, afirma Charlene.

Descrição de imagem: Foto de seis participantes do evento. Eles estão sentados em roda. Ao centro, Seu Zeca fala ao microfone e, à esquerda, outro participante lê um livro Braille. No fundo da sala, há alguns livros dispostos em prateleiras.

Juntos pela inclusão

Para um aprendizado em equipe, os frequentadores do CER contam com suportes como o da fisioterapeuta Aretuza Farias Leao. Em 2005, Aretuza teve o seu primeiro contato com pessoas com deficiência visual ao trabalhar na companhia de bailarinas cegas da professora Fernanda Bianchini. A partir dessa experiência, participou também de um curso de Orientação e Mobilidade, que visa a locomoção autônoma da pessoa com deficiência visual, e, em 2015, recebeu um convite para integrar a equipe do CER.

“Além da Orientação e Mobilidade, trabalho com eles a socialização por meio da dança”, conta a fisioterapeuta. Durante as aulas, ela relata que os alunos a apresentaram ao sistema Braille e perguntaram se ela não gostaria de aprendê-lo. “O CER tem um acervo de livros e cartilhas de saúde, mas todos estão em tinta. Percebi que, se aprendesse o Braille, poderia ajudar a transcrever esse material para um formato acessível”. Com esse objetivo em mente, professora e alunos planejam montar um grupo de capacitação em Braille.

“Só tenho obtido ganhos com essa experiência, seja como ser humano, aprendendo a lidar com sentimentos e expectativas, ou como profissional, ampliando meus conhecimentos e percepção corporal”, afirma a professora.

Descrição de imagem: Foto aérea de cerca de 20 pessoas. Elas estão sentadas em cadeiras formando um semicírculo. Célia, da Rede de Leitura, está em pé a frente do grupo. Atrás dela, há a projeção de uma imagem em fundo azul, com o smile da Fundação Dorina à direita e a frase, em letras amarelas, à esquerda: ‘A leitura inclusiva e o livro digital acessível Daisy’.

DA ESCOLA À BIBLIOTECA

Essa era uma rota percorrida diariamente por Eliana Hashimoto, 46, durante a infância. De Agatha Christie a Sherlock Holmes, devorava um livro policial atrás do outro. “Eram meus preferidos. Na época, livros também eram muito baratos e vendidos nas bancas de jornal. Eu comprava todos”, relembra ela.

Natural da cidade de Cajati, Eliana dedicou-se à enfermagem até os 29 anos de idade, quando foi afastada da profissão devido a um diagnóstico de retinose pigmentar. Sua visão foi diminuindo aos poucos, até estacionar. Foi assim que ela passou a se enquadrar entre os cerca de 6 milhões de brasileiros com baixa visão. Mesmo aposentada, porém, Eliana seguiu mais ativa do que nunca, sempre envolvida em ações de militância pela inclusão da pessoa com alguma deficiência – incluindo a visual. Tampouco abandonou o contato com os livros.

Ela conta que, de início, a leitura se tornou um problema. “Consigo identificar letras grandes, mas elas não são mais como antigamente, têm muitos detalhes e depois de algumas páginas fico bem cansada”, explica. A solução apareceu quando Eliana, por meio da Associação Beneficente São Lucas, descobriu o audiolivro ou livro falado, com um acervo que incluía títulos produzidos pela Fundação Dorina Nowill para Cegos. “De início, achei difícil me concentrar nas histórias apenas ouvindo, mas fui me acostumando e hoje escuto um depois do outro”, afirma.

Foi por isso que, ao saber da oficina sobre leitura digital acessível que a Rede de Leitura Inclusiva da Fundação Dorina promoveria na cidade de Bragança Paulista, em 15 de junho, com o apoio da Secretaria de Cultura e Turismo, Eliana não deixou de comparecer. Chamou a atenção da leitora o predomínio de educadores presentes no evento, bem como a apresentação do programa de leitura acessível criado pela Fundação Dorina, o DDReader. “Acredito que a oficina foi destinada ao público certo. Além do debate sobre o acesso à leitura para todos, penso que o DDReader supre uma demanda de estudantes com deficiência visual, que precisam marcar e buscar trechos de textos longos, recursos que ainda não encontramos de forma tão acessível em programas tradicionais”, observa ela.

Descrição de imagem: Foto de uma sala retangular com cerca de vinte pessoas. Elas estão divididas em grupos de cinco a seis membros e conversam entre si. Ao fundo, há uma projeção com a imagem do blog da Rede de Leitura Inclusiva.

Um dos educadores presentes à oficina foi a pedagoga Cecilia Jorge, 59, que atende alunos com deficiência visual na Associação São Lucas e foi quem convidou Eliana para o encontro. Cecilia, que também atua com outras deficiências na Rede Municipal, trabalha desde Orientação e Mobilidade com seus alunos, que visa a locomoção independente da pessoa com deficiência visual, até o ensino do sistema Braille e o estímulo de quem tem baixa visão. “É importante que o aluno com alguma parcela de visão aprenda como utilizá-la da melhor forma possível. No caso da leitura, geralmente começamos com letras maiores e, aos poucos, vamos reduzindo, de modo que a pessoa se adapte ao tamanho que realmente é ideal para ela”, explica a pedagoga.

Cecilia recebeu um convite da Secretaria de Cultura para a oficina em Bragança Paulista. Ela ainda não conhecia o DDReader e está animada para explorar as ferramentas do programa com os alunos. “Não é só a pessoa com deficiência visual total que ainda sofre com a falta de livros acessíveis. Quem tem baixa visão também enfrenta dificuldade para acessar títulos em condições ideais de leitura, mesmo na era digital, e o DDReader vai de encontro à essa demanda com as opções de ampliação e contraste da letra”, declara a pedagoga.

Descrição de imagem: Foto de 18 pessoas em uma sala. Elas estão em pé e sorriem. Ao fundo, estão duas janelas grandes e uma escada em caracol.

Nova página

“A leitura sempre fez parte da minha vida, minha casa é cheia de livros. Também sempre incentivei minha filha Carina a ler e hoje ela escreve textos dos mais diversos gêneros”

O depoimento é da também pedagoga Alessandra da Costa, 38. Alessandra nasceu com deficiência auditiva unilateral e já atendeu de alunos surdos a estudantes com deficiência visual e intelectual pela Rede Municipal de Cajati. A vida profissional da educadora iniciou em 1999, mas ela parou de estudar. “Emendei uma pós-graduação e curso atrás do outro, inclusive no segmento da educação especial”, conta.

Em 2011, Alessandra assumiu a coordenação pedagógica de uma das maiores escolas do município, sempre buscando uma educação inclusiva junto aos professores e familiares. Em 2015, retornou à sala de aula, mas no mesmo ano, recebeu a notícia de que deveria abandonar o posto devido ao agravo de sua deficiência auditiva. O episódio, porém, não refreou Alessandra. “Iniciei uma nova página. Recebi um convite do Departamento de Educação para mediar a inclusão de alunos com deficiência em toda a Rede Municipal”, relata a pedagoga.

Apesar de se comunicar pela Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), Alessandra não precisou de um intérprete durante a oficina em Bragança Paulista, já que ainda possui um resquício auditivo. Quanto à experiência de debater sobre leitura acessível e de interagir com recursos em prol dessa causa, não apenas enquanto uma pessoa com deficiência, mas, também, como educadora de alunos cegos e com baixa visão, Alessandra afirma: “O verdadeiro conhecimento é aquele que se compartilha e é usado para melhorar a vida das pessoas”.

 

Dorinateca

Se você é uma pessoa com deficiência visual, escola, biblioteca ou associação que busca a leitura acessível e o conhecimento que ela pode gerar, confira o portal de leitura da Fundação Dorina, o Dorinateca, que disponibiliza um acervo para download gratuito nos formatos Daisy, audiolivro e para impressão em Braille – incluindo os 12 títulos do projeto Leitura Digital Acessível. Se atende ao público do portal, basta criar sua conta e aproveitar a leitura!

Descrição de imagem: Foto de uma sala com cerca de 20 pessoas sentadas em roda. Célia está em pé, no centro da roda e conversa com a turma. A sala tem paredes vermelhas e pé direito alto.

DE UM CASTELO MEDIEVAL À MOGI-MIRIM: CONTADOR DE HISTÓRIAS PARTICIPA DE OFICINA SOBRE LEITURA ACESSÍVEL

História e arte povoam o cotidiano do pedagogo Almir Rogério Ferraz, 35. Ele é Coordenador Pedagógico na Escola Estação Municipal de Apoio ao Atendimento Integral à Criança (EMAIC), pela Rede Municipal de Pirassununga. A escola desenvolve atividades recreativas e lúdicas para alunos da Rede, como teatro, dança e contação de histórias.

Um dos atrativos da Estação é o EMAIC-Castelinho, construção de 80 anos que imita um castelo medieval. É nesse ambiente que Ferraz também desempenha sua formação como ator. “Adoro a relação humana que a educação envolve e um bom exemplo disso é interpretar a leitura de uma história”, declara o pedagogo.

Foi essa relação com os livros que levou Ferraz até a oficina sobre Leitura Digital Acessível, promovida pela Rede de Leitura da Fundação Dorina Nowill para Cegos, em parceria com a Secretaria de Educação de Mogi-Mirim, cidade localizada a 87 quilômetros de Pirassununga. O ator conta que, além de interagir pela primeira vez com um livro acessível por meio do programa de leitura da Fundação Dorina, o DDReader, pôde debater sobre o acesso à informação e à cultura com pessoas inseridas em realidades profissionais distintas. “O público predominante na oficina era de educadores, cada um com as próprias ideias, vivências e dúvidas, mas também tivemos a presença de um produtor cultural, que agregou muito para a conversa com o seu ponto de vista.”, explica Ferraz.

Descrição de imagem: Cerca de vinte pessoas posam sorrindo para a foto. Algumas estão em pé e outras agachadas à frente.

O produtor cultural ao qual o pedagogo se refere é Lucas Silveira Delfino, 28. Natural de Pirassununga, aos 18 anos Delfino mudou-se para a capital paulista afim de cursar publicidade. Em paralelo, dedicava-se à sua paixão desde a infância: o teatro musical. “Eu fazia cursos livres e assim fui acumulando bagagem. Em 2009, a escola de teatro onde eu estava resolveu abrir uma produtora e foi assim que iniciei minha profissão atual”, relata ele.

Delfino retornou à cidade natal, onde, além de atuar como produtor, dedica-se à contação de histórias para crianças, como Ferraz. Foi um convite do pedagogo, aliás, que também levou Delfino à oficina da Rede de Leitura Inclusiva. Mesmo adepto da interpretação oral na contação de histórias, o ator destacou a importância de outros formatos além do audiolivro. “Ouvir uma história não tem preço, mas uma criança ou adulto com deficiência visual tem o direito de ler um livro sem uma interferência externa. Também adorei o livro no formato tinta-braille, porque além de alfabetizar ele aproxima crianças videntes e cegas”, observa Delfino, e acrescenta: “Leis como a LBI são louváveis para a acessibilidade, mas sempre existiram pessoas diferentes umas das outras, então só lamento que a inclusão ainda não seja um processo natural”.

Leitura inclusiva

Seja você uma pessoa com deficiência visual adepta do livro digital, em Braille ou do audiolivro, confira o portal de leitura da Fundação Dorina, o Dorinateca. Além de contemplar pessoas com deficiência visual, o espaço também é voltado a escolas, bibliotecas e associações, possibilitando até mesmo o download de obras para impressão em Braille. O acervo inclui os 12 títulos em formato Daisy que compõe o kit do projeto Leitura Digital Acessível. Então, se pertence ao público-alvo do portal e ainda não tem seu cadastro, crie uma conta e aproveite a leitura!

HISTÓRIAS DE INCLUSÃO SE ENCONTRAM NA 45ª FEIRA DO LIVRO DE SANTA MARIA

Seja em um filme, nas poucas linhas de um blog, jornal, revista ou mesmo ao longo das páginas de um livro, encontramos recortes narrativos da vida de alguém, de um certo episódio ou evento histórico, visando o que há de mais importante a ser dito.

No caso deste texto, por exemplo, poderíamos dizer que o encontro das histórias do pedagogo com deficiência visual total, Cristian Sehnem, 42, e da Fundação Dorina Nowill para Cegos começou na ação da Rede de Leitura Inclusiva realizada no dia 8 de maio, com o apoio do Grupo de Leitura Inclusiva RS/Centro, durante a 45ª Feira do Livro de Santa Maria. A verdade, porém, é que uma história passou a fazer parte da outra ainda em 2001, quando Sehnem começou a trabalhar na Biblioteca Central da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), cidade onde residia na época.

“Eu era responsável pelo acervo acessível, grande parte fornecido pela Fundação Dorina. Foi quando passei a conhecer e me aprofundar na leitura inclusiva”, lembra o educador. Em 2015, já atuando no Núcleo de Acessibilidade da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Sehnem participou de um seminário na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), durante o qual foi integrado a Rede de Leitura da Fundação Dorina e ajudou a articular o Grupo de Leitura na região de Santa Maria. “Desde então, fazemos pelo menos dois eventos de leitura inclusiva por ano aqui e, com ações como a realizada na Feira do Livro, a ideia é mostrar que a limitação não está nas pessoas com deficiências como a visual, mas, sim, no meio social”, explica o pedagogo.Descrição de imagem: Foto de uma mesa com dois livros infantis em tinta-braile. O livro no centro da mesa tem o desenho de um menino com boné e o título, em amarelo: "O grande dia”. À direita, está o livro “Cavalinho de Balanço”, que tem fundo azul e a ilustração de duas crianças em um cavalo de madeira. Na mesa, há ainda uma máquina Braille, duas lupas e uma prancheta com uma folha em branco, em cima da qual há uma reglete e uma punção.

A ação na Feira incluiu uma série de atividades, como contação de histórias em formato acessível para crianças da Rede Municipal, uma exposição de equipamentos e materiais para acessibilidade (máquina Braille, lupa, sorobã, notebook com softwares para escrita e leitura, entre outros) e uma roda de conversa entre leitores com deficiência visual. Segundo uma das representantes da Rede de Leitura Inclusiva, Angelita Garcia, no ano anterior a ação foi realizada em um espaço paralelo ao da Feira. “Instiguei nossos parceiros em Santa Maria a investir em um passo além, para que pudéssemos falar da importância do acesso à leitura inclusiva no próprio evento e, este ano, eles conseguiram.”, diz Angelita.

Escrevendo a própria história

Não existem leitores sem escritores. Por sorte, existem pessoas como a também educadora Maria Esther Gomes de Souza, 45, que não deixa o mundo ficar sem boas histórias, incluindo a dela própria. Parceira do Grupo de Leitura na Secretaria Estadual de Educação, Maria é escritora e tem deficiência auditiva adquirida (surdez parcial).

Em 1991, ela formou-se em Magistério de 1º a 5º ano e em Educação Especial em 1997. Desde então, trabalhou sempre com essa especialização na Rede Pública e em abrigo de menores. Também foi voluntária na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) por 20 anos. Só que, ao optar por esse caminho profissional, não havia adquirido a surdez. “Sempre gostei de interagir com surdos e tenho um primo na mesma condição que, na época, me motivou a procurar a formação. Quem diria!”, declara. Maria é autora de três livros: um sobre Educação Especial, outro de poesias e crônicas e de uma novela – um quarto está em produção.

Para a escritora, ações como a da Feira representam uma oportunidade única. “Podemos trocar experiências e, acima de tudo, falar por nós mesmos, em vez de sermos representados por quem desconhece nossa realidade”, afirma Maria.